Encontro no Carone de Vila Velha, tendo, como sempre, o grande anfitrião Vanderlei Martins. Neste dia, a confrade Marli Siqueira, além de sortear uma linda echarpe de onça vinda direto de Paris (quem ganhou foi Marina Monteiro), nos ofereceu um Tokaji Aszú Oremus 2003. Conta a lenda, que os vulcões da Hungria foram os primeiros responsáveis pela formação dos terroirs de Tokaj, região situada no nordeste do país, próxima à fronteira da
Eslováquia. Mas foram os romanos que plantaram os primeiros vinhedos na região.
Até que lá pelos anos 1240, os húngaros, preocupados com os ataques dos turcos, resolveram atrasar a colheita das uvas, o que ocasionou o surgimento de um misterioso fungo
- Botrytis cinerea - que atacou as videiras. Naquela época as coisas eram difíceis e qualquer desperdício significava um sacrilégio, por isso produziram o vinho assim mesmo.
Os húngaros não sabiam, mas estavam começando a produzir um dos mais espetaculares vinhos de sobremesa de todos os tempos, uma bebida refinada, de coloração dourada, com
notas intensas de mel e frutas secas.
Hoje, os Tokajis (lê-se tocáiis), da região de Tokaj, são reconhecidos pela Unesco como os
primeiros no mundo produzidos de uvas botritizadas. A Botrytis cinerea é um fungo microscópico que ataca as uvas, penetra em
seu interior e as desidrata severamente, deixando-as com aparência de
uvas passas. No interior do fruto desidratado, permanece alto teor de
açúcar, sais minerais e ácidos naturais residuais. Os húngaros chamam
essa uva murcha de fungo de Aszú.
A Botrytis cinerea nunca ataca os cachos por inteiro, o que faz com que a colheita de Aszú seja lenta e trabalhosa. São necessárias diversas passadas para o "picking" - nome que se dá ao processo de seleção dos bagos botritizados. Essa tarefa é realizada exclusivamente por mulheres, pois homens, claro, não têm paciência para executar a delicada tarefa. Por isso, algumas mulheres trabalham na colheita há mais de 60 anos.
O vinho é tão famoso que é citado até na letra do hino nacional da Hungria. E por isso é conhecido como “néctar dos deuses”. O grande pensador francês
Voltaire, por exemplo, dedicou-lhe um poema. E não é difícil imaginar
que algumas das melhores obras de Beethoven, Schubert e Rossini tenham
sido inspiradas por uma ou duas taças de Tokaji, do qual eram admiradores.
Conta a lenda que desde a Idade Média o Tokaji Aszú é conhecido como “Vinum regnum-rex vinorum", algo como “vinho dos reis e rei dos vinhos”. Dizem que foi assim que
Luís XIV, o Rei Sol, o teria apresentado a sua amante, Madame de
Pompadour. A lista inclui, também, a rainha Vitória, da Inglaterra; o tzar
Pedro, “o Grande”, da Rússia; e a imperatriz Maria Teresa, da Áustria. Todos acreditavam que este vinho trazia longevidade a quem o
degustava.
As uvas Aszú (botritizadas) chegam à vinícola em
recipientes de madeira, que comportam em torno de 25 quilos, chamados "puttony" ou “putt”. São elas que irão definir o grau de doçura do Tokaji Aszú.
O rótulo menciona 3, 4, 5 ou 6 "puttonyos", o que traduz a
quantidade de "puttonyos" (caixas de uvas botritizadas) que foram
acrescidos aos 136 litros (correspondentes a uma barrica local - ou "gönc")
de vinho base, ou seja, mosto fresco de uvas brancas não atacadas pelo
fungo. Atualmente, a doçura se mede por gramas de açúcar residual por
litro. O tempo mínimo de
estágio em barricas também varia e até recentemente se dizia que seria,
em anos, o número de puttonyos mais dois. Assim, um Aszú 6 "puttonyos" só
poderia ser engarrafado, no mínimo, oito anos após ser produzido. Na
prática, não é bem assim e se engarrafa bem antes do previsto.