Texto de André Andrès, publicado na Revista.AG, do jornal A GAZETA, em 03/06/2012
A evolução e a revolução podem estar onde menos se espera. Às 22h55 do dia 24 de abril de 1974, a Rádio Renascença, de Portugal, começou a tocar uma música singela, romântica, de certo sucesso na época: “E Depois do Adeus”. Na verdade, os versos amorosos eram a primeira senha para os revoltosos se levantarem contra o regime salazarista, ditadura imposta aos portugueses desde 1933. Uma hora depois, a mesma rádio tocou os versos engajados e proibidos de “Grândola, Vila Morena”. Nascia o 25 de Abril. E da poesia se fez a Revolução dos Cravos (meses depois, ela seria cantada por Chico Buarque em “Tanto Mar” – “Foi bonita a festa, pá, fiquei contente. Ainda guardo, renitente, um velho cravo para mim...” – , canção proibida durante anos pelo regime militar).
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A região do Alentejo, no Sul do país, é responsável pela (r)evolução dos vinhos portugueses: produtores conseguiram aliar modernidade e tradição.
Mais ou menos pela mesma época, outra revolução, bem mais silenciosa, ocorria em terras lusitanas. O Alentejo, com larga e extensa história de cultura de videiras, começava a reorganizar sua produção vinícola em torno de cooperativas de produtores. A evolução foi constante ao longo de anos. Os frutos surgiriam efetivamente a partir da década de 80. Até então, com raras exceções, Portugal era conhecido pelos seus ótimos vinhos do Porto. Mas também era famoso por seus rótulos de grandes produções, espalhadas por todo o planeta, e baixa qualidade. Pois surgiu no Alentejo um movimento para tornar o vinho português mais moderno, mais qualificado, melhor, enfim. Técnicas como o uso de cubas de inox, controle de temperatura e até mesmo a mecanização de alguns processos de produção (na região de Évora, por exemplo, a vinícola Ervideira é tocada, em boa parte do ano, por apenas 15 pessoas) resultaram, por um lado, em vinhos modernos e de ótimo custo-benefício, e, por outro, em rótulos muito bem cuidados. A mecanização dá aos enólogos mais tempo para cuidar com muito mais carinho e atenção de vinhos premium – alguns deles são feitos literalmente com os pés (para a pisa das uvas) e as mãos (para todo o restante do processo de amadurecimento do mosto).
As melhorias não pararam por aí. A seleção de castas foi apurada, e houve uma redução no volume de vinhos produzidos, com a consequente evolução do produto final. Ao longo dos últimos anos, o Alentejo ganhou respeito, ganhou espaço e ajudou a espalhar qualidade por todo o país, como pôde ser comprovado numa degustação ocorrida no Carone de Vila Velha. Foram provados vinhos do próprio Alentejo, do Douro, do Tejo, da Madeira. Diversas regiões, muitos sabores e aromas, com vinhos bem estruturados e que demonstraram ter recebido todos os cuidados que podem ser oferecidos por uma vinícola sofisticada – atenção: sofisticada, não luxuosa.
Os produtores fizeram tudo isso sem perder o pé no passado. O Marquesa de Alorna, por exemplo, é um branco (produzido com Cardonnay e Arinto) feito no Tejo em homenagem a Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, nobre poetisa portuguesa do século XVIII, conhecida por sua obra pré-romântica e por sua ousadia. Uma ousadia também presente na cabeça dos produtores portugueses, capazes de rever as estruturas da produção viníciola de seu país, e na mente romântica dos líderes revolucionários de 25 de Abril. Porque só em Portugal uma revolução é iniciada com versos como:
“Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade.
O povo é quem mais ordena.
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade,
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade...”
Versos que, de certa forma, foram precedidos pelos de Leonor de Almeida, séculos antes, em sua narrativa de um dia glorioso:
“Vai-se a fresca manhã alvorecendo,
Vão os bosques, as aves acordando.
Vai-se o Sol lentamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo...”
Renascendo na liberdade, na criatividade e no lirismo de quem enxerga poesia tanto num levante como no rótulo de um vinho – estes últimos versos estão estampados na garrafa do ótimo vinho branco que homenageia a Marquesa de Alorna. Um sinal mais do que evidente da alma poética do povo português.
OS VINHOS DA PROVA DO ALENTEJO
R$ 54
R$ 105
R$ 128
R$ 148