Coluna de André Andrès, na Revista.AG, de 8 de julho de 2012
A longevidade dos vinhos, assim como a dos
relacionamentos, pode ser percebida em alguns detalhes. Essa percepção passa
pela capacidade de ler algumas sensações
É raro, mas acontece... A longevidade de alguns relacionamentos pode ser definida no primeiro contato, no primeiro carinho, no primeiro sorriso. Ali, naquele momento, os dois podem perceber que estão diante de uma relação duradoura: serão anos a fio, lado a lado. Em outros casos, essa relação é descoberta e desabrocha ao longo do tempo. Em ambas as situações, o casal amadurece bem. Como um bom vinho. Em todos os casos, acontece a união entre percepção, sensibilidade e algo concreto, como a satisfação provocada por um beijo, tão palpável quanto o sabor de um tinto de longa presença na boca, sinal fundamental para mostrar a estrutura potente de um vinho, capaz de lhe garantir um envelhecimento consistente. E extremamente saboroso.
Como saber,
no entanto, se esse envelhecimento será adequado? Como definir se um vinho pode
ser guardado ao longo de algum tempo, para ficar tão gostoso quanto um amor
tranquilo? Bem, não é fácil acertar, embora essa busca seja prazerosa e
lucrativa: vinhos baratos podem envelhecer muito bem, quando bem guardados – já
provei até um Concha y Toro Reservado que ficou muito melhor com o passar de
alguns anos. Bem, algumas pistas se abrem à nossa frente – ou, melhor, no nosso
paladar – no caso dos vinhos. “Estrutura” não é algo muito fácil de se definir.
Alguém muito ligado à parte técnica citaria os ácidos, os taninos, o glicerol, o
álcool, sua composição organoléptica. Achou tudo isso muito complicado? Eu
também acho. Vamos buscar outra forma de explicar.
O tanino – Bem, sabe quando você coloca um vinho na boca
e ele “trava” seu paladar, como se você tivesse comido banana verde? Pois bem,
essa sensação é provocada pelo excesso de tanino, componente fundamental dos
tintos. Lógico, se houver um “muita banana verde”, o vinho é simplesmente ruim
– e talvez seu paladar fique tão travado que você mal irá conseguir abrir a boca
(Isso, eventualmente, é uma boa desculpa: dias atrás, um amigo havia tomado
algumas taças e não conseguia falar “indubitavelmente”. Tentou, tentou... a
palavra não saía. E ele arranjou uma explicação: era o tanino, lógico! Alguém
lembrou que estávamos tomando o excelente El Principal 2001. Mas não teve jeito:
o tanino levou a culpa...). Vamos voltar à taça. Se na boca nota-se o tanino,
mas de uma maneira agradável, está dado um primeiro passo para a constatação da
boa estrutura. Com o tempo, esse tanino vai ficar mais macio, podendo até se
cristalizar, formando depósitos no fundo da garrafa. E o vinho tende a ficar bem
aveludado.
O paladar – Vinhos estruturados preenchem mais o paladar, “ficam” mais tempo na sua boca, têm mais consistência. Alguns usam, como exemplo, a diferença entre o insosso leite desnatado (sem corpo, sem estrutura, sem graça) e o opulento creme de leite. Tem, ainda, quem recorra a uma técnica curiosa para medir a extensão do vinho no paladar: depois de engoli-lo, faz-se uma pequena contagem para ver quanto tempo o seu sabor permanece na boca.
A cor – Tombe levemente a taça, com uma pequena quantidade de vinho, contra um fundo branco (um guardanapo, por exemplo). Vai se formar um tipo de círculo. Observe a borda desse círculo. Vinhos mais antigos apresentam um vermelho menos vivo, chegando até a cor de tijolo, e o núcleo do círculo bem destacado. Em vinhos novos, praticamente não há essa diferenciação. Ou seja, se o vermelho é homogêneo, a possibilidade de guardar a garrafa por mais tempo é maior.
A acidez – Ela é sentida nos cantos da boca, perto da bochecha. Sabe quando você toma algo e sua boca “faz água”? Isso é acidez. Ela também é necessária para o vinho envelhecer bem, assim como a presença de álcool, que dá toque doce ao paladar (quanto mais doce, mais álcool o vinho tem).
Dito assim, de forma tão detalhada, parece complicado.
Mas faça o seguinte: sirva uma taça e beba. Primeiro, veja se gostou. Aprovou a
ponto de desejar uma outra taça? Ótimo. Agora, na segunda taça, “sinta” mais o
vinho em sua boca. E comece a notar se ele tem taninos agradáveis, corpo,
acidez. Aí, você soma tudo e chega à conclusão se o vinho tem estrutura ou não.
Se tiver, compre outra garrafa e guarde. Depois de algum tempo, a bebida,
amadurecida, estará bem melhor: suave como o olhar de uma mulher, macio como o
beijo da amada, marcante como uma noite de amor. E memorável, como uma vida
vivida a dois.