Texto de André Andrès, publicado na Revista.AG, do jornal A GAZETA, em 23/06/2012
Áreas de características específicas pedem uvas também específicas. A busca dessa conciliação provocou o surgimento de um novo profissional: o caçador de terroir
Não é das cenas mais conhecidas de “Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”. Mas num certo momento, Indy tem de colocar um cajado num ponto exato para que o raio de sol bata num diamante colocado na ponta da peça de madeira, gere um raio luminoso e indique, numa cidade em miniatura, que local o levará até à Arca da Aliança. A precisão e a necessidade dos raios de sol – e de outras forças naturais – não são coisas de cinema. Quem tem flores dentro de casa sabe como isso funciona. Quem tem um pequeno jardim, também. Assim como o homem da roça com suas plantações, e igualmente os grandes proprietários de terras, com seus terrenos extensos... Enfim, quem mexe com plantas sabe da necessidade de conciliar alguns fatores de forma precisa para elas crescerem bem, saudáveis. Observa-se a incidência do sol, a umidade do solo, a ocorrência de ventos. E para garantir a proteção ou para estimular a evolução das plantas, acrescenta-se à terra algum composto orgânico, numa interferência benéfica do homem na natureza. Tudo isso serve tanto para fazer brotar uma orquídea num apartamento quanto para ver florescer o café no campo. Pois essa lógica da união das condições de solo, clima, temperatura e ação do homem aliada à escolha certa da planta a ser cultivada naquele local é, em resumo, o conceito daquilo que no mundo do vinho é chamado – às vezes de forma pomposa – de “terroir”.
Bem, talvez seja uma forma um tanto simplista de definir o “terrunyo”, como falam os produtores na língua espanhola. Mesmo porque a enorme variedade de uvas, as grandes diferenciações do solo, do clima, da temperatura levam a um número enorme de caminhos a serem trilhados. Difícil é escolher qual o certo, mesmo porque essa escolha talvez exija uma precisão extrema. Duvida? Bom, aquela orquídea criada no apartamento só deu certo depois de algumas tentativas com outras flores. E ela tem de ficar “naquele cantinho em que só bate um pouquinho de sol pela manhã”, ou acaba morrendo seca, a pobre coitada. No caso das uvas, essa precisão, essa necessidade de encontrar o local perfeito para a plantação de certas castas – e as castas perfeitas para certos locais –, provocou o surgimento de um novo profissional: o caçador de terroir, ou “terroir hunter”, em inglês. As iniciais T.H. denominam uma linhagem de rótulos superiores da Undurraga, vinícola chilena com mais de 100 anos. São vinhos de produção limitada, e de qualidade intensa. O Sauvignon Blanc Lo Abarca foi eleito o Melhor Branco do Novo Mundo na Expovinis, a conceituada feira de vinhos paulistana.
Os caçadores de terroir têm uma atividade complexa: após a escolha de determinada área, o solo é estudado para a definição da uva a ser plantada. Aí, o geólogo conversa com o enólogo (e é bom eles se acertarem ou, depois de um diálogo tão complexo, ambos podem acabar num psicólogo...), e os dois acertam o trabalho com o viticultor – não necessariamente nessa ordem. Os estudos incluem desde a análise do subsolo até imagens geradas por satélites (mas, cá entre nós, a decisão deve ser tomada, de verdade, em torno de algumas taças de vinho). A partir daí define-se a cepa a ser ali cultivada. Um solo arenoso no Vale do Maipo, por exemplo, recebeu um Syrah. Um composto por granito e quartzo, no Vale de Casablanc, acolheu um Pinot Noir e assim por diante.
Os estágios de produção do vinho não ocorrem em seus locais de produção, mas em Talagante. O trabalho geral é conduzido por Henán Amenábar, mas o projeto do T.H. é tocado por Rafael Urrejola, um jovem normalmente vestido com jeans e camiseta. Pode ser que o trabalho nos vinhedos deixe alguns vestígios de terra em suas roupas. Mas ele está muito distante daquele Indiana Jones sempre empoeirado das telas do cinema. De qualquer forma, ambos guardam um ponto em comum, tão preciso quanto alguns raios de sol: suas caçadas proporcionam enorme prazer. E são deliciosas.
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Dose errada – O texto sobre o histórico de Patrick Valette, publicado na semana passada, saiu com um erro. Ele citava Valette como produtor do Almaviva. Nunca foi. Ele produziu duas safras do El Principal. Havia lido um texto sobre produções de vinhos com “sotaque francês” no Chile e o Almaviva era citado num trecho em que Valette também aparecia. Eu me confundi. Agradeço a Péricles Gomes, que me alertou para a falha. E peço desculpas aos leitores (de qualquer forma, os dois vinhos são ótimos!).
A precisão na definição dos terrunyos chilenos levou a Undurraga a uma linhagem de vinhos muito curiosa: são vários rótulos produzidos com a mesma uva, mas cultivadas em regiões diferentes. Assim, temos, por exemplo, o Sauvignon Blanc de Casablanca, de Leyda e de Lo Abarca. O objetivo dos caçadores de terroir é justamente este: mostrar como uma uva pode render vinhos diferentes conforme o terreno em que foi plantada e o tratamento recebido. Acredite: quando degustados em conjunto, como foi feito dias atrás, no Ville du Vin, na Praia do Canto, essas diferenças ficam muito claras (foram degustados sete rótulos de três uvas). Aqui estão dois Sauvignon Blanc e dois Pinot Noir (todos do mesmo preço). Mas a linha tem ainda Carignan, Syrah... São ótimas opções, sem dúvida.
R$ 99
T.H. Pinot Noir Leyda 2010
Um Pinot produzido na região de San Antonio, a 11 km da costa chilena. Passa 10 anos em barrica de carvalho francês. O resultado é um vinho com um aroma notável de frutas vermelhas, com um toque adocicado. Na boca, é aveludado.
R$ 99
T.H. Pinot Noir Casablanca 2009
As uvas são plantadas na área oeste de Casablanca, a 18 km da costa. O solo, vermelho, tem muito quartzo e granito. Notam-se mais notas de especiarias (como pimenta-do- reino). Na boca, tem uma acidez marcante, mas equilibrada.
R$ 99
T.H. Sauvignon Blanc Lo Abarca 2011
O vencedor da categoria de Melhor Branco do Novo Mundo da Expovinis justificou a fama – e o título. A região de Lo Abarca fica a apenas 6 km da costa. Não é uma área quente, por isso a Sauvignon amadurece de forma mais lenta. Não passa por madeira. Resultado: notas frescas num vinho rico. Muito bom.
R$ 99
Sauvignon Blanc Casablanca 2011
Não ficou muito atrás do Lo Abarca na degustação. Os vinhedos têm mais de 10 anos e ficam a 28 km da costa. Também não passa por barrica de carvalho. Mas o resultado, neste caso, é um ótimo vinho com muitas notas de frutas tropicais.
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